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VISÃO ESTRATÉGICA PARA O FUTURO DE PORTUGAL E DA EUROPA
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UMA SOCIEDADE ÉTICA

27/8/2020 2 Comments

PAÍS SUSTENTÁVEL, JUSTO, BASEADO NO CONHECIMENTO E NA INOVAÇÃO


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A actual pandemia de COVID-19 ajudou a revelar as fragilidades económicas e sociais dos sistemas mundiais, demonstrando a importância do estado social, da investigação científica e da cooperação entre os povos. A verdade é que muitas destas fragilidades estavam já amplamente identificadas e, num contexto de agravamento das alterações climáticas, foi pedido em 2015 um compromisso a todos os países com os Objectivos do Desenvolvimento Sustentável. Estes incluem os pilares fundamentais de uma sociedade ética e desenvolvida, como a erradicação da pobreza, a mitigação dos efeitos das alterações climáticas e o reforço das instituições, principalmente quando ligadas à paz e à justiça. Portugal e a Europa têm dado passos sistemáticos nesse sentido, reconhecendo e reforçando direitos fundamentais, assegurando um serviço de saúde de acesso universal e um alargado sistema de segurança social e investindo na educação, ciência e tecnologia. No entanto, continuamos com graves níveis de desigualdade social, com um atraso crónico em termos de inovação quando comparados com os EUA ou a China e com agendas pouco ambiciosas de descarbonização. Em Portugal, a corrupção continua a preocupar a maioria dos cidadãos, muitos dos quais a viver abaixo do limiar da pobreza. Os mais pobres e mais frágeis estão também a ser os mais afectados pela pandemia, e espera-nos uma crise económica de efeitos e impactos ainda desconhecidos, mas certamente maiores do que as gerações actuais alguma vez viveram. 

Esta, como outras crises que a precederam, irá revelar que povos a conseguem superar com respeito pelos direitos humanos, protegendo os mais frágeis e alavancando um desenvolvimento que beneficie não só esta mas também as próximas gerações. É, por isso, a altura de tomar posições de princípio que guiem os próximos passos e redefinam a sociedade europeia.

Definimos assim quatro objectivos fundamentais, a atingir forçosamente nas próximas décadas, através de medidas simples mas corajosas:
  1. Um país sustentável – neutralidade carbónica, sustentabilidade e mitigação das alterações climáticas;
  2. Um país sem pobreza – através de apoios monetários alargados;
  3. Um país conhecedor – os valores europeus e a transformação digital como bandeiras do desenvolvimento;
  4. Um país justo - Combater a corrupção e reforçar as instituições.

Estas medidas são necessárias à criação de uma sociedade justa, segura, sustentável e digital, alinhada com o Next Generation EU e com o resto dos países da UE. Para que os atinjamos falta apenas um compromisso sério e visionário que transforme de facto o país e o torne num dos mais avançados na Europa e no Mundo.
 

1. UM PAÍS SUSTENTÁVEL

É crescente a percepção que as sociedades actuais têm sobre a sua responsabilidade em processos globais e os impactos das acções individuais. A pandemia COVID-19 veio, de forma clara, mostrar como a fragilidade dos ecossistemas acarreta riscos para a nossa saúde, com a passagem de patogénios de animais selvagens para humanos. Veio também revelar quão o nosso modelo de economia está assente no consumo, com consequente poluição e degradação dos sistemas naturais: se o consumo abranda as empresas falem, o trabalho fica em risco. Por outro lado, o isolamento forçado teve sem dúvida efeitos positivos, como a redução de diversos tipos de poluição (ruído, emissões) e do consumo, mostrando que esta redução é possível se alterarmos comportamentos e políticas. Temos assim de questionar o tipo de relação da Humanidade com a natureza que temos vindo a prosseguir nos últimos 200 anos e libertar-nos do paradoxo da escolha entre preservação do Planeta, crucial para a sobrevivência e bem-estar da população mundial, e actividades humanas.
Na verdade, os estados reconhecem cada vez mais a importância de um compromisso sério com o combate às alterações climáticas. A Europa definiu como meta a neutralidade carbónica em 2050 e Portugal preparou um roteiro para a atingir. No entanto, em muitos aspectos, este planeamento é feito sem mudança de paradigma, numa estratégia de substituição. Isto é particularmente visível no contexto da energia, central a qualquer processo de descarbonização onde, em muitas propostas, o que se altera é a fonte, passando das mais poluentes para outras mais limpas (por exemplo, do carvão para o hidrogénio, dos veículos a gasóleo para os eléctricos), sem reconhecer que o problema não está exclusivamente no lado do tipo de produto oferecido (oferta), mas sim no padrão de consumo (procura), que continua a subir ou a resistir à mudança. Continua-se também a pensar em produção centralizada, oligopolista, e em sistemas de distribuição arcaicos, em vez de processos distribuídos, em que todos possam participar. Continua a defender-se uma estratégia extractivista, de exploração de recursos virgens escassos, em vez de uma aposta séria no reaproveitamento de materiais, mais em linha com a vontade das populações.
Assim, e porque a recuperação não pode ser feita através do consumo, da centralização de recursos e das pequenas conquistas que a pandemia, inadvertidamente, nos trouxe, propomos duas estratégias concretas e profundamente transformadoras, que protejam o ambiente e sejam também motor da criação de uma nova economia, mais sustentável e justa.
 

1.1. Atingir a neutralidade carbónica através da mudança de paradigma: sustentabilidade e descentralização;
Os factores que mais limitam a descarbonização prendem-se com as questões de consumo, mobilidade (urbana, mercadorias, longo-curso) e, no caso de Portugal, com a perda de sumidouros de carbono associados às áreas florestais, devido aos incêndios rurais. É possível e necessário antecipar a neutralidade carbónica em 10 anos, isto é, atingir em 2040 em vez de 2050, e esta não ser feita à custa exclusivamente do paradigma da substituição. É necessário investimento sério e de médio prazo em políticas alinhadas com uma visão de futuro em que a sustentabilidade do Planeta deve ser assumida como pilar de garante para a nossa (sobre)vivência. Assim, importa:

  • Privilegiar a economia da procura em vez da economia da oferta. No caso da energia (seja esta carvão ou hidrogénio) e de outros recursos; esta perspectiva orienta o foco para a redução do consumo, através do desenvolvimento tecnológico, mudanças comportamentais e procura de maior eficiência. Medidas devem incluir a renovação dos edifícios (alinhado com o renovation wave do European Green Deal) e de novas formas de mobilidade (transporte públicos de qualidade e acessíveis, teletrabalho e um novo modelo de carregamentos de veículos eléctricos, com a utilização do transporte individual motorizado a ser crescentemente penalizada);
  •  Revolucionar o acesso à energia, quer através da produção sustentável distribuída (apostar em produção de eletricidade renovável descentralizada –famílias, empresas - em detrimento de sistemas centralizados, renováveis ou não, concentrados em alguns agentes); quer através da promoção da liberalização do fornecimento (por exemplo, facilitando carregamentos elétricos nas cidades, ou através de soluções do tipo “airbnb” da electricidade - modelos distribuídos dos serviços existentes ao nível das ruas, como cafés ou lojas), para acelerar a electrificação da mobilidade do transporte de passageiros. As soluções centralizadas actuais, para além de riscos monopolistas ou de cartel, consomem muito território (ex. parques solares) com elevados custos de oportunidade para outros usos;
  • Apostar na economia circular como fonte de matérias-primas, em vez de extrair matérias virgens. Portugal pode tornar-se competitivo na recuperação de recursos (exigente em engenharia, ciência e inovação, e por isso com elevado valor acrescentado) e não alinhar em projectos de indústria extractiva, com baixíssima aceitação social e grande impacto ambiental;
  • Valorizar os ecossistemas nacionais, como a paisagem diversa que suporta modelos locais de turismo sustentável, a biodiversidade, a gestão natural do ciclo da água e a captura de CO2 dos ecossistemas florestais e matos. Temos usufruído destes serviços sem qualquer retorno para os proprietários destas áreas, pelo que modelos de valorização económica são formas de os continuar a preservar, com impactos positivos para as populações locais e famílias, e para a sustentabilidade do território nacional, como a redução dos fogos. A agricultura e pecuária intensivas devem ser desincentivadas, para passarem a ser maioritariamente assentes em processos sustentáveis e extensivos, (de base biológica, agricultura de precisão) tal como preconizado no European Green Deal (farm to fork strategy).
 
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1.2. Preparar o futuro: antecipando e mitigando já os efeitos das alterações climáticas.
Políticas de adaptação às alterações climáticas estão praticamente ausentes do discurso público, mas é um tema absolutamente crítico para Portugal. A Península Ibérica é um dos hot spots de vulnerabilidade a cenários de alterações climáticas e Portugal tem dois problemas particularmente graves em matéria de adaptação a um novo clima: escassez de água (com impacto potencial na produção agrícola e hidroelectricidade, e abastecimento humano em algumas áreas do país, como aliás já se verifica) e subida do nível do mar (com impacto potencial tanto na paisagem como em bens privados ao longo da costa). Para qualquer destes aspectos, é necessário planear investimento público muito significativo. Assim, é fundamental:
  • Investir num novo modelo de consumo e gestão da água primordialmente focado na eficiência do seu uso, adoptando por exemplo tecnologias de water-harvest que devem ser obrigatórias em novos edifícios, investindo na redução das enormes perdas que ainda se verificam nas redes de transporte e distribuição e na reciclagem obrigatória de águas residuais, privilegiando a produção agrícola com baixa pegada hídrica, penalizando a produção intensiva em água  e investir na digitalização do sector da água como base para o seu uso eficiente.
  • Identificar e assumir as zonas vulneráveis à subida do nível médio do mar ao longo da costa Portuguesa como factores de decisão, a médio prazo, para a reconversão/realocação de activos, seja infra-estruturas (viárias e de telecomunicações) ou edifícios de habitação e de serviços aí localizados, e para a proibição de construção de novos ativos. A realocação de populações e infraestruturas levanta problemas sérios de direitos consignados, e de impactos sociais, muito exigente em investimentos públicos, o que aconselha a um planeamento de médio  e de longo prazo.
 
É indiscutível que as alterações climáticas e a actual pandemia vão dar origem a mudanças radicais nas formas de trabalho e no acesso aos recursos, com impactos no turismo, agricultura, produção e serviços. Estes novos modelos (ex. teletrabalho) acarretam riscos sociais, psicológicos, económicos e é importante criar também mecanismos que assegurem protecção social e uma sociedade justa e ética.


2. UM PAÍS SEM POBREZA

Há muito que a Europa se orgulha do seu papel visionário em termos de direitos humanos e sistemas sociais, desde as pensões aos sistemas de redistribuição de riqueza e acesso à educação e saúde. No entanto, continuamos com sistemas insuficientes, pobreza e desigualdade crescente em muitos países, sendo Portugal um dos mais desiguais. A crise que se avizinha, em conjunto com os impactos esperados das alterações climáticas e das mudanças no mercado trabalho, vão exigir um esforço extraordinário dos sistemas de apoio social e, se mantivermos o mesmo paradigma, agravar estas desigualdades e situações de pobreza.
Em grande parte, os sistemas de apoio social aos mais pobres partem da premissa que é necessário identificar e canalizar apoios de sobrevivência apenas para os mais miseráveis.  Como é impossível determinar com exactidão quem são as pessoas que precisam de apoios, porque não se conhecem exactamente os recursos ou as necessidades das mesmas, as políticas sociais têm sempre falsos positivos e falsos negativos. Falsos positivos são, aquelas pessoas que recebem o apoio e não deviam, ou seja, não entram nos critérios de acesso; falsos negativos são as que não recebem o apoio e deviam, ou seja, entram nos critérios de acesso mas por razões de falta de informação, de estigma, ou de acesso, não o obtêm. O desenho da política determina o trade-off entre falsos positivos e falsos negativos. Uma política mais restrita que pretende diminuir o “abuso”, isto é, os falsos positivos, aumenta sempre os falsos negativos. Não há políticas que diminuam ambos os erros em simultâneo.
Na verdade, as políticas de apoios sociais de que dispomos contêm uma série de barreiras (necessidade de deslocação aos serviços da segurança social ou IEFP, preenchimento de formulários, entrega de documentos vários com prova de recursos, necessidade de renovação periódica) que têm por objectivo minimizar os falsos positivos. Por outro lado, estes procedimentos criam um lapso de tempo entre a sinalização de uma necessidade de apoio social e a obtenção do mesmo, que cria graves problemas de carência. E o momento de crise em que vivemos tem uma série de características que tornam muito mais premente o problema dos falsos negativos, isto é, devemos preocupar-nos com a probabilidade da ajuda não chegar a quem precisa (mais do que chegar a quem não precisa). Por um lado, a probabilidade da necessidade de apoio aumenta; por outro, outras redes de protecção informais, como a família ou o círculo de relações próximas do indivíduo, estão elas próprias destituídas de meios no contexto de uma crise generalizada.
A nossa proposta assenta em três pilares fundamentais: 1) Inverter a lógica do desenho de uma transferência monetária, que deverá ter o objectivo de minimizar os “falsos negativos” em vez do actual foco nos “falsos positivos”; 2) Desenhar uma política abrangente destinada a promover os recursos disponíveis para os elos mais fracos dos agregados familiares, as crianças; 3) Trabalhar em prol de uma agenda de impostos europeus, como condição necessária para alargar a base tributária e assim aumentar a disponibilidade dos recursos disponíveis.
 
2.1. Apoio monetário alargado, de acordo com as seguintes características :
  •  Minimizar tempo e burocracia entre identificação da necessidade de apoio e obtenção do mesmo.
  •  Os apoios devem ser automáticos:  o estado faz a transferência sem as pessoas assinalarem a necessidade.
  •  O apoio deverá ser universal ou excluir apenas as pessoas que de forma óbvia não necessitem do mesmo. Um apoio generoso e abrangente terá sempre de ser englobado no rendimento para fins tributários, garantindo assim a sua progressividade.
  •  Se o apoio for universal, tem de ser suficientemente generoso, ou acumular com outros apoios sujeitos a condições de recursos.

2.2 Recursos para as crianças
Uma política de apoio baseada apenas no rendimento não garante a redistribuição dos recursos no seio do agregado familiar. Investigação recente, com base em informação administrativa detalhada, mostrou-nos que a situação de pobreza afecta o desenvolvimento das crianças desde a mais tenra idade – provavelmente da vida intra-uterina – e tem impactos na sua vida adulta, não só no mercado de trabalho como na saúde e em comportamentos de risco vários. Assim, qualquer estratégia de erradicação da pobreza tem de incluir transferências em género generosas que podem ser usadas apenas pelas crianças do agregado familiar, assim contribuindo para a equidade na distribuição dos recursos intra-agregado. Uma lista não exaustiva deste tipo de transferências em género inclui: vales para bens essenciais, uma rede de creches e jardins de infância de qualidade, integralmente gratuitas e visitas domiciliárias por equipas sociais multidisciplinares regulares, nos primeiros seis anos de vida.
 

2.3. Alargar a base tributária
As políticas de tributação têm de ser cada vez mais justas e distributivas, para reduzir desigualdades e injustiças fiscais. É fundamental:
  • Acabar com paraísos fiscais: Em 2015, o Parlamento Europeu estimou que a indústria do planeamento fiscal agressivo faz desaparecer entre 160 e 190 mil milhões de euros das receitas fiscais da UE. E um artigo mais recente aponta que a riqueza europeia escondida em paraísos fiscais represente cerca de 15% do PIB do continente. Infelizmente, os grupos de trabalho sobre política fiscal sofrem muitas vezes da presença de elementos com graves conflitos de interesse, incluindo das plataformas que querem regular e das chamadas big four (Deloitte, EYm KPMG e PwC) e o Corporate Europe Observatory recomendou até que estas não tenham acesso aos legisladores europeus (e a outros, acrescentamos nós). Para combater esta lucrativa indústria, o Parlamento Europeu anda há vários anos a discutir uma forma alternativa de cobrar impostos às multinacionais em que o montante pago em cada país é determinado por grandezas mais difíceis de manipular pelas empresas – salários, vendas e ativos em cada país –, em vez de resultar do lucro declarado a cada autoridade fiscal.
 
  • Novos impostos: plataformas digitais e ambiente: Mas há outros impostos que podiam e deviam ser lançados à escala europeia para pagar a crise. O imposto sobre as plataformas digitais ganham hoje mais força porque os gigantes da internet estão a lucrar com as várias políticas de confinamento e distanciamento social dos governos e das empresas e o potencial da transformação digital europeia não pode ser desprezado (ver a próxima secção). Finalmente, uma proposta recente para um imposto progressivo sobre a riqueza, a ser pago por fortunas superiores a dois milhões de euros apenas durante dez anos, permitiria pagar uma parte substancial do Next Generation EU, estimando-se que entre um quinto e um quarto da riqueza da Alemanha, Espanha, França e países escandinavos (em Portugal não temos, infelizmente, dados para fazer este cálculos) é detida apenas por 1% das pessoas.  Os impostos ambientais, que estão neste momento a ser considerados no âmbito do NGEU, são também instrumentos fundamentais por gerarem receita ao mesmo tempo que corrigem externalidades ambientais. Em particular, o Carbon border adjustment mecanism tem a vantagem de proteger o mercado europeu da concorrência de indústrias poluentes oriundas de mercados com menores exigências ambientais e é por isso um instrumento da reconversão industrial que a UE pretende levar a cabo. Outras formas de gerar receita com pendor corretivo que a UE está a considerar são a extensão do mercado de emissões e o imposto sobre o plástico não reciclável. Portugal deve contribuir ativamente para a implementação destes instrumentos europeus, sem prejuízo de avançar no futuro para uma agenda mais radical de tributação do consumo.
 
  • Uma estratégia europeia: O alargamento da base tributária é fundamental para criar espaço orçamental que recaia sobre os contribuintes – empresas e indivíduos – mais sofisticados, que conseguem beneficiar da indústria planetária do planeamento fiscal. Essa é uma agenda que apenas pode ser levada a cabo com sucesso à escala europeia, porque a mobilidade destas bases tributárias sofisticadas impede uma pequena economia como a portuguesa de agir individualmente. Por outro lado, Portugal tem uma oportunidade para liderar um movimento transformador, apoiando a recuperação económica em produção de alto valor acrescentado, sustentável e inclusiva.
 

3. UM PAÍS CONHECEDOR E ÉTICO [1]

A resposta à recente pandemia mostra como a Ciência e Inovação (C&I) são os alicerces das melhores decisões. Em tempo recorde, enormes adaptações e alterações foram introduzidas quer na produção de conhecimento, diagnósticos e equipamentos, quer na mobilização de recursos humanos altamente capacitados, ou ainda nos próprios modelos de negócio. O papel dos cientistas e das decisões baseadas na ciência, na evidência e na ética, tornaram-se fundamentais no nosso quotidiano e devem servir de motor à recuperação económica de Portugal e da Europa. Em paralelo, a chamada “Revolução Digital”, em curso, tem enorme potencial para melhorar as condições de vida, mas acarreta graves riscos sociais. A UE deu um grande passo em 2018 ao adoptar uma Regulação Geral de Protecção de Dados que proteja os seus cidadãos e crie um ecosistema único para um desenvolvimento tecnológico ético, valorizando os direitos humanos. Segue-se agora um “Green Deal”, para uma recuperação económica que respeite o ambiente e promova a qualidade de vida das próximas gerações. Aguardamos também que o Parlamento Europeu volte a assegurar um investimento forte no apoio à C&I através do Horizon Europe, reforçando programas com provas dadas. É necessário aproveitar estas visões e torná-las em vantagens competitivas, alavancando a economia da UE através da ciência, tecnologia limpa, digitalização dos processos, e valores europeus.
No entanto, e para que Portugal se torne verdadeiramente competitivo num contexto mundial, para que a sua C&I tenham real impacto na sociedade e economia, é essencial um Pacto de Regime para a Ciência, que a liberte de visões de curto prazo e de ciclos políticos e permita enfrentar desafios estruturais, concretizando a promessa de um investimento substancial, regular e previsível.É também imperioso abraçar a Revolução Digital, de forma ética e assumindo a confiança nas instituições com uma mais valia, ao contráiro do que está a ser feito em muitos oiutros países. É uma oportunidade rara para que Portugal se revele como um pais visionário, apostando na ciência, capaz de atrair o melhor talento mundial e as empresas mais inovadoras e produtivas.
 

3.1 Pacto de Regime para a Ciência
  • Financiamento plurianual, regular, transparente e desburocratizado: É necessária uma nova ética que respeite pessoas e instituições e que promova Portugal como um país eficiente, íntegro e transparente. Sistemas complexos, lentos e altamente burocráticos promovem a desconfiança, frustração e nepotismo. É fundamental que pessoas e instituições possam fazer planos de médio e longo prazo e que confiem no sistema. Para isto, o financiamento tem de ser garantido a médio prazo, com calendários plurianuais e muito regulares, bem definidos a 5 anos, garantindo o financiamento base de projectos, pessoas e instituições científicas. Estas devem ser reforçadas na sua autonomia (ver em baixo). Para além disto, a FCT deve assumir-se como uma instituição exemplar no sector público, acompanhando os passos de agências internacionais congéneres, em termos de simplificação e promoção da transparência. Todo o financiamento dado ao sistema científico e de inovação deve ser público, transparente e sujeito a escrutínio. São também necessários mecanismos para facilitar a relocação de cientistas e empresas, quer através de vistos de residência dedicados, quer através da desburocratização dos processos, incluindo um regime especial de contratação pública para C&I.
 
  • Financiamento para ciência e inovação superior a 3% do PIB: Para que um sistema de Investigação e Desenvolvimento (I&D) seja competitivo, o nível de financiamento não poderá ser inferior a 3% do PIB. Os Estados-Membros da UE acordaram atingir este valor durante o Conselho de Barcelona de 2002, e a Estratégia de Lisboa definiu como prazo o ano de 2010. No entanto, esta margem mínima nunca foi cumprida em Portugal: em 2019 o investimento em I&D não chegou sequer a metade deste valor. Países que têm como objectivo assumir a liderança nos sectores do conhecimento, como a Coreia do Sul ou Israel, investem hoje já mais de 4.5% do seu PIB em C&T. Portugal e a UE não podem esperar mais 10 anos por um compromisso que já leva uma década de atraso. Estes 3% do PIB são o mínimo necessário à criação de alicerces fortes em investigação, aos quais se poderão acrescentar visões estratégicas e fundos estruturais de apoio ao desenvolvimento regional, em áreas fundamentais como a descarbonização, a energia renovável e eficiente, as novas tecnologias e a redução das desigualdades sociais e territoriais. Este investimento em contra-ciclo servirá não só para assegurar a investigação científica, numa altura em que esta é crucial, como para facilitar a comparticipação das empresas, que tende a abrandar durante situações de crise como a que se aproxima.
 
  • Ecosistema distribuído: O sistema actual é composto por poucas instituições financiadoras, pouco autónomas (ex. a FCT é fortmente dependente do Ministério, sem financiamento plurianual). É importante acabar com esta visão centralista e fortemente dependente de ciclos políticos, que não permite desenhar estratégias de longo prazo, menorizando o tecido científico e limitando o seu potencial. É fundamental empoderar o tecido científico nacional. Isto deve ser feito através de transferências sérias e de longo prazo para as instituições, aumentando também o escrutínio e avaliação, assumindo a ambição de criação de instituições de referência a nível internacional. O papel das empresas na inovação é também  fundamental, através da implementação de programas próprios ou em colaboração com Universidades e Institutos de Investigação. O estado deve promover o ecossistema com mecanismos que promovam a confiança e relações de longa duração entre os diferentes sectores, e respondam às necessidades e desafios da sociedade com novos produtos e serviços altamente competitivos. Assim, será também necessário reforçar os apoios e criar um ambiente propício ao investimento e atracção de novas empresas, que está fortemente dependente da qualidade dos processos e confiança no sistema. Para isto, as agências públicas devem transitar de um papel de mera validação da despesa privada em C&I para um efetivo acompanhamento do ciclo de planeamento e implementação desses investimentos, que permita maximizar sinergias entre instrumentos públicos e investimentos privados.
 

3.2. A confiança e o RGPD como bandeiras do desenvolvimento tecnológico
A computação, extração e análise de dados de grande escala irão permitir aplicações em todas as áreas. Esta chamada “Revolução Digital” terá um impacto ainda difícil de prever mas está a ser sistematicamente apresentada como a área de maior crescimento e que mais poderá mudar a sociedade nas próximas décadas. No entanto, a Europa aparece atrás dos EUA e China em múltiplos indicadores, como número de patentes, empresas “unicórnio”, “start-ups” e investimento, não tendo nenhuma grande platafoma online, quer de consumo quer rede social. Assim, não é de estranhar que o Regime Geral de Protecção de Dados (RGPD) tenha começado por ser visto como mais um entrave ao desenvolvimento tecnológico e à investigação na UE. Mas este respeito pelos direitos dos cidadãos representa, isso sim, uma enorme vantagem competitiva. O RGPD é agora visto como o padrão a seguir, estando a ser adoptado no Japão, Brasil e até na Califórnia, estado do Silicon Valley. Para além de poder forçar um quadro regulatório, a adopção do RGPD pode e deverá servir como uma mais valia europeia, na adopção e desenvolvimento de novas tecnologias, principalmente relacionadas com a utilização de dados pessoais e de saúde, utilizando a confiança como um valor acrescentado.
Esta mesma visão ética e de alto valor acrescentado pode ser aplicada aos serviços que devem ser apoiados na recuperação económica. E ciência e tecnologia é uma área em que Portugal se deve destacar, tendo já recursos humanos formados ao mais alto nível (engenharia, ciências da saúde), que têm sido sistematicamente forçados a emigrar, gerando um fluxo de “brain drain” que prejudica a competitividade nacional. Já mencionámos (secção 1) a relevância do teletrabalho e transformação digital das empresas que pode reduzir a situação periférica de Portugal, podendo oferecer serviços a todo o mundo. A investigação em sustentabilidade e tecnologias de recuperação pode libertar o país de uma situação de dependência de recursos, para uma situação de liderança. A investigação em saúde e envelhecimento, quer em termos médicos quer na sua ligação à Inteligência Artificial e novas tecnologias, é das mais sensíveis em termos éticos e onde se espera mais crescimento nos próximos anos.
Para isto, é necessário não só um investimento forte e uma política de atracção de empresas e talento, como descrito anteriormente, mas também um compromisso sério com uma sociedade respeitadora e merecedora de confiança. Isso não será possível sem um reforço das instituições, redução da burocracia e combate eficaz à corrupção.
 


4. UM PAÍS JUSTO

Estima-se que os custos da corrupção em Portugal superem os dezoito mil milhões de euros por ano, não falando já dos fundos desperdiçados com favoritismo, redes de influência e comportamentos rentistas de alguns sectores e grupos de interesse. Mas o custo da corrupção vai para além do dinheiro perdido: a corrupção distorce a concorrência, reduz a qualidade, a sustentabilidade, a segurança e até a eficiência do investimento público na satisfação das necessidades da economia, das empresas e dos cidadãos. Prejudica a imagem do país, reduzindo a sua atractividade e potencial de desenvolvimento. Instituições pouco robustas e uma sociedade civil com conhecimentos escassos sobre os seus direitos estão ainda mais desprotegidos em relação aos efeitos da corrupção. O investimento e os dinheiros públicos não podem ser desperdiçados desta forma.
Todo e qualquer combate à corrupção tem de atender dois aspectos fundamentais do fenómeno. O primeiro é compreender que a corrupção é um crime de oportunidade, que ocorre com a conivência de todos os envolvidos. Processos de decisão opacos e não-inclusivos, excesso de discricionariedade de um individuo em cargo de poder, ausência de controlos internos que permitam detectar comportamentos corruptos nas instituições e possibilidade de ocultação dos proveitos da corrupção são geradores de oportunidades para o envolvimento em corrupção. O segundo é saldo entre a possibilidade de ser sancionado e o usufruto das recompensas ou proveitos que advém do crime. Se os riscos de punição e/ou não poder usufruir dos proveitos da corrupção forem menores do que as vantagens de cometer o crime, estamos a criar incentivos e não a desencorajar comportamentos corruptos. Um combate sério e eficaz à corrupção e a comportamentos conexos (legais ou ilegais) tem de ter estes aspectos em mente em todas as suas frentes e medidas.
Propomos assim um conjunto de acções em diferentes áreas que actuem no âmbito de
  1. a prevenção, ou seja, da diminuição das oportunidades de corrupção, através do reforço da transparência e do acesso à informação dos processos de decisão;
  2. a criação de mecanismos de controlo que permitam detectar a corrupção e que, por isso, funcionem como elementos dissuadores, por um lado, e de prova em fase de investigação e punição
  3. o reforço das medidas de dissuasão e esvaziamento de incentivos da prática do crime.
 

4.1. Contratação pública e alocação de fundos europeus livres de corrupção
A contratação pública e a utilização de fundos europeus são das áreas que comportam mais riscos de corrupção e crimes conexos. São também áreas em que custo da corrupção tem um maior impacto económico e social, o que é ainda mais exponenciado em alturas de crise como a que atravessamos. A chegada de fundos europeus de dimensão inédita, a necessidade impreteriosa de investimento público e o carácter urgente dos estímulos económicos e das medidas de combate à crise aumentarão as vulnerabilidades das instituições e dos processos administrativos. Mais do que nunca será necessário promover e garantir a integridade, a transparência e a monitorização adequada dos concursos públicos e da atribuição de fundos europeus, em todas as fases dos processos. É fundamental:

  • o combate ao abuso da contratação pública por ajuste direto, bem como a monitorização e a aplicação de medidas que coloquem fim a eventuais conflitos de interesse entre entidades públicas (incluindo funcionários) e concorrentes;

  • as entidades contratadas devem ser obrigadas a identificar os seus beneficiários efetivos, de forma a despistar conflitos de interesse e identificar indivíduos e empresas envolvidos em corrupção em contratos anteriores;

  • criar soluções digitais para a implementação destas medidas e aproveitamento do potencial do portal BASE.gov, nomeadamente com a criação de alertas de excesso de contratos por ajuste directo ou atribuídos desproporcionalmente à mesma entidade, a sinalização de concorrentes envolvidos em anteriores processos de corrupção na contratação pública (empresas ou os seus beneficiários efectivos) e a publicação de dados abertos, em formato acessível e re-utilizável, relativos a todo o ciclo de contratação pública. A alocação dos fundos europeus deve seguir os mesmos princípios de transparência, probidade e monitorização dos processos de decisão, bem como o recurso a semelhantes plataformas e soluções tecnológicas.
 

4.2. Instituições robustas, imparciais e transparentes
De acordo com os princípios da boa governação, as instituições públicas, e todos os que nelas trabalham, gerem ou representam devem ser imparciais, transparentes e previsíveis nos processos de definição de políticas públicas na sua actuação. Devem ainda promover a participação e a prestação de contas, bem como permitir a todos aceder a informação relevante a e compreender as acções executadas. No entanto, na era da “Revolução Digital”, o actual regime de acesso à informação administrativa e ambiental é ainda manifestamente insuficiente do ponto de vista das instituições públicas, pelo que  há que aprofundar e aplicar o quadro legal, com vista a atingir os seguintes três objectivos:
  • Informação inteligível: a informação pública deve ser clara, simples e não ambígua, de forma a ser compreendida por todos os cidadãos.
 
  • Proactividade e abertura no fornecimento de dados e informação: o ónus do acesso à informação deve estar do lado das instituições e não na iniciativa dos cidadãos. Aquelas devem ser proactivas na disponibilização de informação, nomeadamente nas suas páginas de internet, e os procedimentos de acesso à informação devem ser rápidos e simples.
 
  • Alargamento do universo de dados e informação a disponibilizar: as instituições públicas devem fornecerem informação que permita a monitorização dos processos de decisão em todas as suas fases (o que é particularmente importante na contratação pública), bem como estudos preliminares, de apoio e de avaliação do impacto. Em sentido contrário, a corrupção, as redes de influência e os comportamentos rentistas são alimentados pelos conflitos entre o interesse público e os interesses privados dos decisores públicos e políticos. É preciso encarar este problema de forma institucional, consistente e sistemática. Importa identificar, monitorizar e sanar conflitos de interesse nos processos de decisão pública, bem como desenhar e aplicar no seio das instituições códigos de conduta claros, simples e eficazes, acompanhados de directrizes pormenorizadas para a sua aplicação e de sanções para quem não observa as regras definidas.
 
4.3. Um sistema legal e judicial do século XXI
Cidadãos, empresas e demais entidades da sociedade civil têm um papel fundamental na prevenção da corrupção mas, para tal, precisam conhecer os seus direitos, saber reivindicá-los, assim como compreender as leis e o funcionamento das instituições que regem os seus assuntos privados e públicos. Por outro lado, o próprio sistema judicial tem de se adaptar à grande corrupção so século XXI: a criminalidade económico-financeira soube tirar todo o proveito da globalização do sistema financeiro, da proliferação de offshores, das possibilidades tecnológicas e administrativas e da facilidade de circulação de pessoas. Além disso, pelo que já referimos anteriormente sobre a natureza opaca e em circuito fechado da corrupção, a produção de prova é uma das maiores dificuldades da investigação e do direito criminal. Entendimentos demasiado conservadores sobre a legitimidade da prova indirecta (deduções, inferências), crucial no crime de corrupção, dificultam o trabalho de investigação do Ministério Público e o julgamento dos criminosos. É necessário:

  • Ter em consideração a inteligibilidade das leis, devendo se necessário fazer acompanhar a sua publicação de um guia de linguagem simplificada e/ou infografias de apoio. As entidades públicas devem igualmente fazer um esforço de simplificação de processos e de disponibilização de informação e infografias com linguagem acessível e clara. Este esforço deve ser particularmente relevante no caso de direitos e deveres, apoios e obrigações, nomeadamente em assuntos relacionados com a segurança social, obrigações fiscais, contratação pública, denúncias a autoridades judiciais ou reclamações junto de entidades reguladoras;
 
  • Especialização de tribunais e recursos humanos com competências específicas na criminalidade económico-financeira, bem como os meios tecnológicos avançados, é uma peça-chave num sistema judicial preparado para lidar com este fenómeno tão complexo;
 
  • As universidades têm também um papel central, em particular as faculdades de direito que formam uma grande parte dos profissionais envolvidos no combate à corrupção, como juízes, procuradores, advogados e inspectores da Polícia Judiciária. Propomos assim que os planos de estudos dos cursos de direito incluam formação aprofundada e inter-disciplinar sobre corrupção e demais criminalidade económico-financeira, com a contribuição de profissionais nacionais e internacionais na maéria e docentes da área económica, gestão, sociologia, entre outros. Esta formação deve ser particularmente abrangente no caso de juízes, procuradores e técnicos auxiliares nesta matéria;
 
  • Na vertente da responsabilização, é crucial a intensificação dos mecanismos de congelamento e recuperação dos ativos ilicitamente obtidos e o seu acionamento de forma rápida e simples por parte do sistema judicial,, de forma a que não seja possível aos condenados por corrupção usufruírem dos proveitos do crime.
 
 

NOTAS FINAIS
 
Existem neste momento áreas de enorme incerteza que condicionarão a forma como olhamos para a presente crise. No entanto, há uma ameaça que surge clara desde já: a pressa, o imediatismo e a ausência de reflexão dos agentes políticos que terão a tentação em repor a ‘normalidade’ pré-crise, e o retorno ao business as usual, quando foi precisamente essa ‘normalidade’ que nos trouxe até aqui.
Precisamos de visões de futuro, apoiadas em valores, e de políticos corajosos que as saibam implementar. A aceitação da pobreza, da desigualdade e da injustiça como inevitáveis, impede uma verdadeira transformação e limita o potencial de crescimento social e humano de que Portugal e a Europa precisam. O apelo e incentivo ao consumo, como narrativa para a superação imediata da crise económica, esquecendo todos os impactos ambientais decorrentes, é um erro que nos sairá muito caro a curto prazo. Precisamos de instituições fortes, valorização do conhecimento; de aproveitar a promessa da “Revolução Digital” para reduzir a pegada ecológica, desenvolvendo serviços e produtos de alto valor. Acima de tudo, precisamos de ancorar as políticas em ideais, na confiança, na ética e assumir um novo paradigma. Um paradigma em torno do qual os cidadãos e cidadãs portuguesas se possam unir para liderar esta transformação a nível mundial e construir uma sociedade ética.
 
 


[1] Uma versão mais alargada desta secção foi submetida independentemente durante o processo de consulta pública. Essa versão foi preparada por Mónica Bettencourt-Dias e Joana Gonçalves de Sá, com o apoio de vários colegas, e foi subscrita tanto por investigadores como por empresários. Estará disponível em breve em http://cienciaportugal.org/
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